Arquivo | setembro, 2012

A homofobia não é uma doença

18 set
Muitos discursos tentam medicalizar a homofobia. Mas será que ela é uma doença, transtorno ou uma sociopatia?

fgfdegete

Eu entendo que em casos individuais homofóbicos podem ser gays que foram colonizados pelo discurso intolerante e autoritário, buscando reforçar uma homofobia para não fazer parecer que sentem atração por pessoas do mesmo sexo (não é próprio do discurso ideológico transformar o escravo em senhor de sua própria dominação?). Mas a teoria psicológica para o fenômeno não encerra os debates sobre o caso, como quer fazer crer certo senso comum. Há uma verdadeira luta para transformar a homofobia em doença ou transtorno psicológico, sociopatia, que seja!, vinda inclusive do movimento gay. Encarar o fenômeno dessa maneira serve apenas para mitologizar o fato social e tirar a sociedade de cena, a grande produtora e difusora do discurso estigmatizante.

A primeira coisa que se diga, antes de encarar a homofobia pelo menos como uma doença é que ela não se faz como um universal humano. Há sociedades onde o que chamamos de homofobia não existe. Naturalmente a homofobia é um construto social de algumas sociedades, que pode por ela mesma ser descontruída, como é o caso de algumas de nossas sociedades ocidentais.

A homofobia não é própria dos “gays mal resolvidos” e está ausente em “héteros bem resolvidos”, não se deve cair neste engodo. Uma sociedade inteira, de cabo a rabo homofóbica, como é o caso do Brasil em 1900, por exemplo, não é constituída de gays mal resolvidos que fazem discurso contra suas sexualidades. É preciso encarar a homofobia como um fato social!

Um fato social se caracteriza de três formas: é externo ao observador, coercitivo e tem uma dada generalidade. Assim, sendo 1) externa aos indivíduos, a homofobia se apresenta no mundo social extra-individual. Não importa o que eu, como indivíduo solitário pratique ou acredite, a homofobia existirá e será passível de verificação. Mesmo que na individualidade do meu lar eu não seja homofóbico, o fato social se faz presente em toda a sociedade ou parte(s) dela. Mesmo que eu não seja homofóbico enquanto indivíduo, ela existirá. A minha vontade individual não retira de um país a carga de preconceito contra gays e lésbicas e transforma a união civil gay legitima. As vontades individuais não afetam o fato social [afetam, mas não é a questão]. Sendo 2) coercitiva a homofobia se faz contra os elementos sociais, pessoas, fatos e instituições, controlando seus corpos, suas liberdades e seus desejos. O fato social é poder político. Por mais que eu queira beijar meu namorado numa praça aqui em Natal ou na Uganda, a repressão social acontecerá. O fato social se apresenta no momento em que eu vou de encontro ao seu poder político. Como é o caso das tentativas de criminalizar a homofobia: o fato social exerce poder político para que forças contrárias a sua lógica não o minem. Nesse sentido é o fato social quem controla os corpos dos homofóbicos para que eles exerçam sua coercitiva homofobia, que é puramente política. E por fim, tendo 3) generalidade a homofobia é coletiva. Seja no Brasil inteiro, seja num Estado inteiro. Um coletivo social é homofóbico, exerce o poder político contra os indivíduos homossexuais. Ela não é considerada fato social quando parte apenas de uma pessoa entre cinco milhões, por exemplo, porque os cinco milhões exerceriam uma força política incontavelmente maior sobre o único elemento homofóbico.

Encarando a homofobia como um fato social podemos perceber que ela é uma força cultural e política, e não meramente individual. Eu pessoalmente conheço gays que praticam discursos extremamente homofóbicos, por não se aceitarem, mas isso jamais irá dá uma resposta satisfatória sobre o que os motiva a fazer isso. Se não buscarmos respostas nas instituições religiosas que disseminam as homofobias e tornam os gays susceptíveis e encararem sua sexualidade como algo demoníaco, jamais chegaremos a cerne da questão. Outras instituições também propagam esses discursos, compartilhando de uma ideologia comum, é o caso da família, da escola e do estado.

Para a Sociologia o discurso ideológico é um discurso que tem poder de representar a realidade. Esse discurso tem o costume de inverter a realidade social transformando: 1) em divino o que é humano – alegando que a homofobia nada mais é que o desejo de um Deus ou deuses. 2) em eterno o que é construção – dizendo que as coisas sempre foram dessa maneira e jamais mudarão, está na natureza ou nos 10 mandamentos. 3) tornando universal o que é pontual – alegando que todas as sociedades são homofóbicas, pois a homofobia seria um universal humano em repulsa a contradição do sexo reprodutivo, o que não passa de uma mentira. Nessa perspectiva o discurso ideológico inverte a realidade social, que sendo produto humano, passa a vir de cima para baixo, como dados divinos ou naturais.

Esse mesmo discurso tem o poder de fazer os escravos se sujeitarem as escravidões, do contrário certos tipos de sociedades não seriam possíveis. O machismo não seria possível se as mulheres não se sujeitassem aos homens e colaborassem para a perpetuação do machismo. O estamento ou a casta não seriam possíveis se o discurso conservador desses sistemas de sociedade não fossem reproduzidos pelas pessoas de castas inferiores ou estamentos inferiores. Se assim não fosse a sociedade sempre estaria sempre em vias de revolução, porque as colonizações dos discursos preconceituosos e segregacionistas não renderiam frutos.

O que acontece é que as mulheres ensinam o machismo aos seus filhos, os gays ensinam aos seus filhos a homofobia. Por isso são importante os movimentos políticos emancipatórios, pois a sociedade está recheada de fabulações e contos religiosos capazes de destruir a dignidade das pessoas.

Um gay reprodutor do discurso homofóbico, tal qual um hétero, ou qualquer outra pessoa, é um dos agentes políticos do fato social. Um fato social não pode ser encarado como transtorno, doença ou uma maldade intrínseca (sociopatia). As pessoas são ensinadas na escola, em casa, pelo estado, na igreja, a odiarem esse ou aquele tipo de gente. Nada pode ser mais esperado que a mortandade dessas classes de pessoas quando as situações políticas e jurídicas forem favoráveis. A homofobia não é praticada majoritariamente por gays mal resolvidos, como quer fazer crer o senso como, mas sim por indivíduos que aceitaram a lógica dos discursos e reproduzem-nos como verdades universais, imutáveis, divinas.

É preciso culpar a sociedade como um todo pela homofobia existente, só assim o fato social se verá acuado por um outro fato social que o encara de frente e com poderes. Quando a sociedades e suas instituições forem postas no primeiro plano do discurso, poderemos estabelecer políticas de redução e erradicação da homofobia no Brasil.